quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Addio Dario

A despedida do giullare


Por Claudia Venturi em 13/10/16 

Três anos e cinco meses após a morte de Franca Rame, companheira de vida e de palco, despedimo-nos também de Dario Fo, homem de teatro, referência no teatro Italiano e Nobel de Literatura (1997).

Foto: Filippo Monteforte / AFP Photo

Ma che aspettate a batterci le mani,
a metter le bandiere sul balcone?
Sono arrivati i re dei ciarlatani,
i veri guitti sopra un carrozzone.
(Mas o que vocês estão esperando para bater palmas, para colocar as bandeiras nas sacadas? Chegaram os reis dos charlatões, os verdadeiros vagabundos sobre o caminhão.)

foto em http://www.clownlink.com/

Hoje nada de traduções ou artigos selecionados de outros autores. Quem escreve neste dia não é a presidente da associação e nem a organizadora do blog. Quem escreve é a atriz e estudiosa que acorda em um dia normal, liga a TV, que por acaso estava na RAI (TV italiana) e escuta a triste notícia –ocupando metade do tempo de todo o jornal - de que no dia de hoje “apagou-se” o grande homem de teatro Dario Fo. Então, quem escreve é apenas uma admiradora que sente a tristeza da perda e procura homenagear esse grande homem.
Como estudante de teatro, conhecia Dario Fo, o seu livro Manual Mínimo do Ator, a técnica do grammelot. Mas era isso, mais um nome entre tantos teóricos e estudiosos do teatro mundial, todos geniais todos grandes.

Manual Mínimo do Ator,
seu livro mais conhecido e estudado.

Em 2007 tive oportunidade de ser agraciada com uma bolsa de estudos de um programa europeu para um período de pesquisa na Itália, durante o meu mestrado em educação, pela UFSC. Com um projeto sobre o ensino do Teatro nas escolas, foi exatamente a parte sobre teatro que estudei por lá. Orientada pelo Professor Doutor Claudio Bernardi, especialista em Teatro Social (aquele que não visa a formação de atores), na Università Cattolica del Sacro Cuore di Milano. Foi nessa fase que despertou a minha curiosidade pelo trabalho de Dario. Na época divulgaram na TV uma pesquisa realizada por uma universidade inglesa sobre as personalidades que mais influenciavam os jovens, Dario Fo ficou em primeiro lugar, à frente até de Bill Gates e Steve Jobs. Também nesse período precisei aprofundar os conhecimentos sobre a antiga comédia italiana e Dario Fo era referência exatamente por tê-la estudado profundamente. Aproveitei a minha estadia em seu país e absorvi a todo o conhecimento que consegui acessar sobre o assunto.

Família Fo: Dario, Jacopo e Franca
Foto em Wikipedia

Aliás, Dario Fo sempre foi um grande curioso, estudioso, inquieto e contestador, o que levava alguns grandes nomes do teatro a se aborrecerem com ele. Explico: ele estudava a fundo as teorias, conhecia um novo método e se empenhava para aprendê-lo completamente. Então encontrava algo que ele discordava na técnica e a adaptava para a sua versão. Parecia nunca estar satisfeito. Ele dominava todas as áreas, da cenografia (foi estudante de arquitetura), ao canto, técnicas corporais, efeitos, texto, interpretação...
Assim foi com o Teatro didático, ele estudou questionou e chegou a sua própria versão: “[...] O teatro didático deve ser, também, uma grande máquina de fazer as pessoas rirem sobre as coisas dramáticas. Evitando assim a catarse liberatória que nasce quando se vê um drama representado em cena. Um espetáculo divertido, satírico, grotesco, não permite ao público liberar-se. Na risada, fica dentro o sedimento da raiva; com a risada não se consegue descarregar”. Utilizava diversas técnicas de distanciamento, mas ao mesmo tempo buscava a empatia do público, queria que as pessoas se identificassem com os personagens apresentados.

foto em: http://vivimilano.corriere.it/

Dario desde a infância observou os narradores do Lago, os trabalhadores sopradores de vidro, com os seus cantos de trabalho, passou por duas guerras e de cada fato que observava levava um aprendizado para a sua arte. Foi nos primórdios da Comédia Italiana medieval buscar inspiração, preferia trabalhar em dialeto, falava do povo e ridicularizava a religião e os poderosos do sistema. Desenvolveu um teatro satírico e extremamente engajado nas questões políticas e sociais. Sofreu perseguições, boicotes e seguiu em frente mudando a história do teatro italiano.

Franca e Dario - foto em www.bbc.co

Graças à profissão conheceu Franca Rame, herdeira de uma família de teatro, que se tornou sua companheira de vida e de palco, musa e crítica de seu trabalho, com quem dividiu a sua pesquisa e as representações e para quem dedicou metade de seu Nobel em 1997.Ele sempre reconheceu a importância da companheira em sua evolução profissional. Sem ela o seu trabalho não seria o mesmo. Ambos eram geniais!

Acima, vídeo do espetáculo Mistero Buffo, quadro de grammelot La fame dello zanni.

Dario Fo deixou um legado: baseado e inspirado em seu trabalho – principalmente em Mistero Buffo, sua obra mais conhecida - nasceu um teatro narrativo na Itália. Narrado em primeira pessoa, muitas vezes monologante, desenvolvendo temáticas sociais, com todo o tipo de representantes, desde os exemplos mais simplórios até chegar ao teatro Civile, sobre o qual já escrevemos neste blog. Esse novo gênero teatral geralmente trabalha sobre a memória cívica - desastres, catástrofes e outras situações que poderiam ter sido evitadas - com a ideia de falar para não esquecer e não permitir que se repita.

Jacopo Fo com o pai Dario
foto no site http://www.alcatraz.it/

Neste 13 de outubro de 2016 apagaram-se as luzes de Dario. Ascendeu mais uma estrela no céu.  Para o seu médico ele era um caso raro, que com o avançado estado da doença pulmonar ainda conseguia falar por horas e cantar, rir e fazer rir. Segundo seu filho Jacopo Fo: “ele se foi sereno. [...] Foi un “gran finale” [...] A única coisa sensata que posso dizer – ele seguiu em frente – resistiu e continuou a trabalhar 8 – 9 – 10 horas por dia até quando foi internado. Precisaria colocar nos prontuários médicos. A arte, a paixão e a dedicação civil funcionam.”
Durante toda a sua vida ele fez sorrir, continuemos sorrindo, por ele!


“Ele envelheceu muito rápido, não teve tempo de se livrar da irreverência.” (Neyde Veneziano)

Dario Fo - Il Re dei Ciarlatani

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